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A MICROBIOTA E SUA FUNÇÃO NA SAÚDE.

domingo, 30 de agosto de 2015
A relação entre o número de microrganismos que compõem a microbiota in­tes­tinal e as células presen­tes no corpo dá a exata dimensão da importância desses seres minúsculos para a vida humana. Um indivíduo possui 100 vezes mais genes microbianos do que humanos, o que significa que esse universo microscópico pode fazer a diferença entre a saúde e a doença caso essa comunidade de bactérias boas e ruins não esteja em perfeita harmonia. A microbiota intesti­nal é parte do complexo sistema que envolve células e tecidos, e um desequilíbrio nesse ecossistema pode significar o aparecimento de inúmeras enfermidades, de um simples resfriado a doenças autoimunes e câncer, porque também está intimamente relacionado com a imunidade.

A microbiota humana começa a se formar antes mesmo do nascimento. Estudos já conseguiram demonstrar que o bebê não nasce livre de germes – ao contrário do que se acreditava até bem pouco tempo –, apesar de essa colonização ser mais efetiva a partir do contato com o canal do parto e com o meio externo. Por esse motivo, os pesquisadores são unânimes ao afirmar que o parto normal é muitas vezes mais indicado para uma colonização mais saudável do que o parto cesáreo, uma vez que o bebê terá contato com a microbiota vaginal materna. Estudos também demonstram que o colostro tem certa quantidade de lactobacilos – com destaque para o L. reuteri –, o que acrescenta ainda mais importância para a amamentação.

Mas os atuais estudos sobre a relação entre a microbiota intestinal e a saúde vão muito mais longe. Já há pesquisas que demonstram forte interação por meio do eixo cérebro-­intestino e cientistas de várias partes do mundo tentam comprovar o papel da microbiota intestinal no desenvolvimento de autismo e de distúrbios cerebrais, como Parkinson e Alzheimer. “A Ciência vem descobrindo novas funções para o intestino, que vão muito além das funções clássicas que já conhecemos”, define o professor doutor Dan Waitzberg, professor de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e presidente do Ganep Nutrição Humana, que apresentou palestra na abertura do seminário In Gut We Trust, realizado durante o II Congresso Brasileiro de Pre, Pro e Simbióticos (PreProSim), que ocorreu simultaneamente ao VI Congresso Brasileiro de Nutrição Integrada – Ganepão 2015.

Já classificado como segundo cérebro, o intestino tem uma função neurológica clara. Todas as funções intestinais – motora, sensorial e secretora – são controladas por sistemas neurais intrínsecos e extrínsecos modulados pelo sistema nervoso central, e alterações na microbiota podem alterar essa resposta neurológica­ central. Estudo internacional desenvol­vido em 2013 analisou as alterações neu­rológicas na ausência de microbiota em ratos (germ-free) e demonstrou mudanças no compor­tamento e na cognição relacionadas a reconhecimento, memória, sociabilidade, locomoção, ansiedade e autolimpeza. Durante o experimento, os ratosgerm-free também tiveram altera­ções em marcadores neurobioquímicos, com redução do Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro (BDNF, na sigla em inglês), que desempenha papel central na neurogênese e plasticidade sináptica que, por sua vez, tem capacidade de alterar a sinapse entre as células nervosas. 

O estudo demonstra, ainda, que o cérebro pode influenciar a microbiota por meio de mudanças induzidas pelo estresse, por exemplo, com modificações fisiológicas e epiteliais, alterações na produção de mucina e na motilidade intestinal. Os cientistas também conseguiram identificar alteração no sistema motor emocional, uma vez que a percepção das emoções é estimulada pelo mecanismo visceral-sensorial, que está relacionado­ à microbiota intestinal. “O cérebro se comunica com o intestino através da medula espinhal, com uma verdadeira integração. Por meio do nervo vago, pelas vias eferentes e aferentes, há uma troca de sinais do cérebro para o intestino e vice­versa”, explica o professor Dan Waitzberg.

O papel da microbiota em distúrbios cerebrais e autismo também é tema dos estudos do professor doutor Koen Venema, da Universidade de Maastrich, na Holanda, e editor do periódico Beneficial Microbes. O cientista, que participou do PreProSim, lembra que o ser humano é composto por 10% de células e 90% de microrganismos, e elimina diariamente aproximadamente um quilo de bactérias intestinais por meio das fezes. “Ao longo de 70 anos, cada pessoa terá eliminado mais bactérias do cólon do que o número de habitantes da Terra, o que corresponde, em peso, a 12 elefantes”, compara, ao lembrar que o intestino abriga entre 400 e 1000 espécies diferentes e, destas, muitas não podem ser cultivadas em laboratório.

O professor cita dois ensaios em modelos murinos cujos resultados demonstraram que a antibioticoterapia desencadeou ansiedade e agressividade devido a uma alteração na bioquímica cerebral provocada pela disbiose intestinal. Em outro experimento, realizado com camun­dongos suíços – um agressivo e um tímido –,­­ os pesquisadores fizeram um transplante­ de microbiota entre ambos e constataram que a atitude agressiva mudou na medida em que o camundongo ansioso recebeu uma microbiota mais colonizada. “Neste estudo, somente a mudança da microbiota alterou a condição de agressividade do rato”, resume o pesquisador, ao afirmar que isso acontece porque ocorre uma mudança bioquímica no cérebro, mais precisamente na região do hipocampo.

Em outro experimento com murinos, os cientistas analisaram as condições de nascimento e constataram que os ratos nascidos de cesariana eram mais ansiosos. “O estresse altera o eixo intestino­cérebro e a produção de cortical, ocitocina, adrenocortical e serotonina. Nos ratos deste estudo, o estresse emocional da hora do parto estimulou a ansiedade”, descreve o professor Koen Venema, ao explicar que diferentes níveis de ansiedade também podem alterar o trânsito colônico e a morfologia do intestino. Para analisar a relação entre o transtorno do espectro autista e a microbiota, cientistas aplicaram ácido propiônico no cérebro de ratos com microbiota alterada e normal (controle) e constataram que os animais que tinham a disbiose intestinal passaram a ter comportamentos agressivos, repetitivos e antissociais, semelhantes aos de crianças com autismo.

Distúrbios cerebrais
A relação entre a microbiota intestinal, a doença de Parkinson e o mal de Alzheimer também­ está sendo investigada pelos cientistas que estudam a interação cérebro-intestino. Segundo o professor Koen Venema,­ a perda de neurônios na doença de Parkinson está relacionada com perda de dopamina e neuromelanina, mas os pacientes também reportam desconforto­ gastrointestinal, obstipações de longo prazo e aumento da permeabilidade intestinal. Nos estudos com ratos induzidos ao mal de Alzheimer já foi identificada maior expressão de lipopolissacarídeo (LPS) – endotoxina que provoca uma forte resposta por parte de sistemas imunitários – e da proteína precursora amiloide (APP), expressa em muitos tecidos e que se concentra nas sinapses dos neurônios. “Já sabemos que há relação entre o que acontece no cérebro e no intestino e estudos futuros poderão elucidar essa relação e ampliar as investigações sobre a microbiota intestinal”, avalia.

Simbióticos nas doenças inflamatórias intestinais
Segunda queixa mais frequente nos consultórios de gastroenterologistas, a constipação intestinal atinge 20% da população adulta no Brasil, de acordo com a Sociedade Brasileira de Gastroenterologia (SBG). Mulheres, idosos e crianças estão entre a parcela mais afetada, e pelo menos 50% das crianças constipadas têm o problema devido à dieta pobre em frutas, legumes, verduras e fibras. Com sintomas claramente definidos, a síndrome do intestino irritável (SII) provoca dor abdominal, flatulência e mal-estar provocado pela retenção fecal, e pode levar a mudanças no eixo cérebro-intestino. Além disso, a tendência é provocar outras complicações, como hemorroidas, hemorragias, distúrbios urinários, disfunções do sono, cefaleia, transtornos de humor e de ansiedade.

O médico Dan Waitzberg ressalta que há grande discussão científica sobre­ o papel da microbiota na homeostase digestiva e sistêmica, que envolve nasci­mento, aleitamento, dieta e hábitos de vida, com tendência a desencadear disbiose e doenças digestivas, além de distúrbios metabólicos como obesidade e diabetes. Neste contexto, o uso de probióticos e prebióticos em conjunto – classificados como simbióticos – pode trazer benefícios ao hospedeiro. “Os probióticos aumentam a massa bacteriana fecal, enquanto os prebióticos aumentam o volume das fezes e produzem ácidos graxos de cadeia curta, que são considerados combustíveis para a população microbiana intestinal”, diz.

Em seres humanos, a oferta de Bifidobacterium lactis em doses altas (100ml) e baixas (60ml) constatou 33% e 25% de melhora na frequência­ das evacuações, respec­tivamente, suge­rindo que, para esta população e com esta cepa específica, quanto maior a dose, melhor o efeito.­ Outro­ experimento, desta vez com Bifidobacterium animalis associado a frutooligossacarídeos (FOS) por 14 dias­, resultou em aumento de evacuações, melhor qualidade das fezes e redução da força para evacuar, com consequente melhora na dor. Nos dois grupos, quanto mais constipados os voluntários, melhores os resultados. Os cientistas também avaliaram a capacidade da alcachofra como veículo­ prebiótico, por ser rica em fibras, associada ao Lactobacillus paracasei e ingerida por 15 dias por indivíduos com diarreia. “O grupo que ingeriu o probiótico e a al­ca­chofra mostrou redução na quantida­de de evacuações e melhora das bactérias enteropatogênicas. Além disso, a quantidade de L. paracasei nas fezes analisadas permaneceu por 15 dias após o fim do estudo e houve diminuição deClostridium, um agente causador de diarreia”, explica o professor Dan Waitzberg.

Retocolite
O professor doutor Remy Meyer, do Centro de Gastroenterologia Obach, na Suíça, lembra que os fatores que afetam a saúde intestinal, como parto, infecções virais, nutrição, higiene, antibióticos, probióticos, prebióticos e susceptibilidade genética são gatilhos que podem alterar a resposta imune e, se houver condição pró-inflamatória, desencadear uma síndrome do intestino irritável ou mesmo doença inflamatória intestinal. “A ação dos probióticos é interessante, porque podem interferir no mecanismo que causa a inflamação por produzirem interleucinas antiinflamatórias e, com isso, reforçar a mucosa intestinal, deixando-a mais estável”, reforça.

Os pesquisadores estão avaliando a ação dos microrganismos probióticos na retocolite ulcerativa com diferentes cepas. Es­tu­do randomizado, multicêntrico, duplo-cego, placebo controlado com 143 pacientes constatou que o VSL#3, composto de oito diferentes cepas – Bifidobacterium breve, Bifidobacterium longum, Streptococcus thermophilus, Bifidobacterium infantis, Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus plantarum, Lactobacillus paracasei e Lactobacillus bulgaricus – ingerido por 12 semanas,­ ajudou na remissão da retocolite em 43% dos pacientes, embora os pesquisadores buscassem um resultado de 50%. Em outro experimento, desta vez com E. coli Nissle e 327 pacientes, o probiótico manteve a remissão em 34% dos voluntários, contra 38% da Mesalazina, medicamento padrão no tratamento da doença.

O Lactobacillus rhamnosus GG com e sem Mesalazina foi utilizado em estudo com 187 pacientes para avaliar a manutenção da remissão da doença. Neste caso, o L. rhamnosus GG promoveu resultados expressivos: em seis meses, a remissão foi de 91% dos pacientes que ingeriram o probiótico contra 87% dos que usaram somente o medicamento e 94% dos que fizeram uso conjunto de ambos. Na contagem de 12 meses de ingestão, o probiótico também obteve o melhor resultado – 85% –, contra 84% e 80%, respectivamente. “Embora eu esteja convencido de que os probióticos possam ser benéficos, acredito que mais estudos precisem ser desenvolvidos para identificar as melhores cepas”, descreve o professor Remy Meyer.

A médica pediatra Sanja Kolacek, do Children’s Hospital de Zagreb, na Croácia, lembra que as doenças inflama­tórias intestinais – colite ulcerativa e doença de Crohn – atingem de 10% a 25% da população infantil, com maior prevalência do que nos adultos. Embora o uso de probióticos nas enfermidades ainda seja controverso em razão dos baixos resultados obtidos, os cientistas continuam pesquisando até que ponto esses microrganismos poderiam ser seguros. “A pergunta é: se mudarmos a microbiota é possível melhorar os sintomas das doenças? Infelizmente, não temos essa resposta até agora”, enfatiza.

Ação na síndrome do intestino irritável
A relação microbiota e cérebro fica bem determinada na síndrome do intestino irritável, cuja fisiopatologia inclui sensibilidade visceral, alterações motoras, secretoras, autônomas e imunológicas, além de predisposição genética. Classificada entre as doenças funcionais do trato digestório, a SII é provocada por uma disbiose relacionada a diferentes tipos de resposta em relação à mudança microbiana. “Até mesmo o alimento ingerido interfere na motilidade gastrointestinal”, afirma o professor doutor Ricardo Barbuti, professor assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP) e médico chefe do Ambulatório de Gastroenterologia Clínica do HC/FMUSP.

Estudo internacional sobre a SII observou que bactérias como Salmonella e Shiguella produzem citotoxinas que provocam uma reação no organismo desencadeando anticorpos que acabam atingindo a proteína vinculina, que pode alterar os neurônios do tubo digestivo. “Este achado foi importante para entendermos também as doenças inflamatórias intestinais”, informa o professor. A maioria dos experimentos também já conseguiu demonstrar que a população bacteriana na microbiota de indivíduos com síndrome do intestino irritável é diferente em relação àqueles que não possuem o problema.

Como é uma afecção provocada pela disbiose intestinal, o uso de probióticos na SII tem sentido fisiopatológico e existe grande variabilidade de respostas. Diferentes fatores também podem interferir na viabilidade dos probióticos na SII, como a capacidade secretória do estômago e até mesmo o clima. Uma revisão sistemática que avaliou 18 estudos – de 185 previamente selecionados –, e várias cepas, indica que diferentes espécies deLactobacillus, entre as quais L. plantarum, L. reuteri, L. salivarius e L. rhamnosus, eram as que mais propiciavam melhoras de sintomas globais na SII. “Apesar desses resultados, ainda são necessários mais estudos prospec­tivos, randomizados e duplo-cegos placebo controlados, com diferentes cepas, para comprovar a ação positiva neste caso”, acredita o professor Ricardo Barbuti.

Fonte: Yakult

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