A medicina ainda é contraditória quanto à prescrição de componentes da soja em terapias de reposição hormonal para mulheres na menopausa. Mas, perseguindo os efeitos dessas substâncias há mais de duas décadas, em estudo inédito no mundo, especialista da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP descobre que um extrato de soja biotransformado é capaz de destruir células de tumores de mama.
Estudo sobre o poder do extrato da planta biotransformado é inédito no mundo
O trabalho, que foi publicado recentemente na revista inglesa Nutrition and Cancer, usou um extrato de soja biotransformado (veja a seguir), especialmente fabricado nos laboratórios da FCFRP, para os testes com células de dois tipos de câncer de mama: um tumor dependente (MCF-7) e outro, não dependente de estrógeno (SKBR-3). Após um ensaio laboratorial de 24 horas, “as duas linhagens de células tumorais responderam ao tratamento; entretanto, as MCF-7 (dependente de estrógeno) foram muito mais sensíveis”, conta Bianca Stocco, pesquisadora que integra a equipe coordenada pela professora Maria Regina Torqueti Toloi.
As pesquisadoras acreditam que “a interação das moléculas presentes no extrato de soja biotransformado com os receptores de estrógeno presentes nas células MCF-7, possa ser um dos motivos que explique a maior sensibilidade desta linhagem à morte celular. Mas adiantam que a outra linhagem estudada, a SKBR-3, também deve sofrer o mesmo efeito com maior tempo de tratamento com o extrato de soja.
O experimento
Bianca fez diferentes ensaios, aplicando nos dois tipos de células humanas de tumores de mama: extrato de soja biotransformada; extrato de soja sem biotransformação e as isoflavonas da soja — que comprovadamente têm ação biológica e mimetizam o estrogênio — daidzeína e genisteína, tanto isoladamente quanto combinadas.
Os resultados não deixaram dúvida. Somente o extrato biotransformado de soja foi capaz de agir sobre as células cancerosas. A professora Maria Regina foi enfática ao afirmar que a “o extrato de soja biotransformada promoveu sim a morte celular”, através de mecanismos apoptóticos, como a estimulação de enzimas “pró-apoptóticas” e inibição de “anti-apoptóticas”. A pesquisadora diz que a ativação da caspase foi evento crucial para concluírem que o extrato de soja promove morte celular por apoptose.
Como o efeito foi observado apenas no tratamento com o extrato biotransformado, as pesquisadoras acreditam que “peptídeos gerados no processo de biotransformação da soja induzam à morte celular”. E que ainda não conhecem o componente do extrato responsável por essa ação. “Essa deve ser nossa nova etapa dos estudos”, contam.
Adiantando o que vem por aí, Maria Regina diz que estão começando um estudo em que relacionarão o uso do extrato de soja com células normais e outras linhagens de células de câncer de mama mais agressivos.
Fitoestrógeno e a terapia de reposição hormonal
Após várias décadas produzindo estrógeno e progesterona, por volta dos 45 a 50 anos, a mulher começa a apresentar falência ovariana. O que vale dizer que seus ovários param de produzir esses hormônios, e que a falta deles pode vir acompanhada de uma série de desconfortos que comprometem seriamente a qualidade de vida da mulher na menopausa.
Perda de massa óssea, envelhecimento da pele e transtornos do humor, além das famosas ondas de calor, estão entre os sintomas amenizados com a reposição hormonal sintética (medicamentos). Mas como existem casos em que a reposição hormonal não é indicada — alguns estudos mostram efeitos colaterais como derrames cerebrais e aumento de tumores de cólon, endométrio e mama, os fitoestrógenos passaram a ser alternativas para essas pacientes.
A professora Maria Regina conta que o interesse pelas isoflavonas da soja (substâncias com estrutura e função comum ao estrógeno) começou quando a comunidade científica observou que as mulheres asiáticas “passavam sem tantos sintomas por esse período caracterizado pela falta natural dos hormônios”. O fato foi atribuído à alimentação rica em soja. Outra informação que chamou a atenção, diz a professora, é que “elas não tinham a mesma predisposição ao câncer de mama como tinham as mulheres ocidentais diante de um quadro de reposição hormonal clássica”.
Para a pesquisadora Bianca, apesar do extrato de soja rico em isoflavonas não ser muito indicado para o tratamento dos sintomas iniciais da menopausa, muitas mulheres garantem que as isoflavonas de soja aliviam alguns sintomas como as ondas de calor, por exemplo. Ela acredita que outros estudos serão necessários para complementar estes resultados, tanto com relação à reposição hormonal quanto à utilização do extrato em tratamento contra o câncer de mama.
Segredos da biotransformação da soja
Por traz do extrato de soja biotransformado da USP está a professora Maria José Vieira Fonseca, colega de Maria Regina na FCFRP. Há mais de dez anos, ela estuda e manipula em seu laboratório o pó do grão de soja e conta que seu interesse foi despertado pela confirmação de que a soja era “uma fonte rica dos isoflavonoides genisteína e dadzeína”. E, ainda, que essas substâncias extraídas da soja apresentavam atividade antioxidante.
Começaram então a preparar formulações com esses isoflavonoides e testar a ação contra os raios solares, o fotoenvelhecimento e até mesmo o câncer de pele, “no entanto, os resultados iniciais mostraram que o extrato de soja não tinha alta atividade antioxidante necessária contra o estresse oxidativo da radiação solar”.
Maria José conta que foi então que resolveram tratar a soja com fungos utilizados na indústria alimentícia e, portanto, seguros para a saúde humana. “O tratamento com fungos aumentou a atividade antioxidante dos extratos de soja” e, por conseguinte, a eficiência na proteção da pele
Na verdade, apesar do grão de soja possuir essas isoflavonas, que no caso da dadzeína e da genisteína são chamadas fitoestrógenos, pois possuem ação semelhante ao hormônio estrogênio, a quantidade dessas substâncias é pequena para ações terapêuticas. Foi então que as pesquisas da professora Maria José enveredaram pela biotransformação do pó de soja, técnica que ela desenvolveu com sua equipe padronizando, em seu laboratório, extratos ricos nas isoflavonas.
O segredo está “na inoculação de fungos à soja”. Em 2007, lembra a pesquisadora, uma de suas alunas de pós-graduação, Sandra Regina Georgetti, obteve seu título de doutor ao produzir “um extrato seco de soja com atividade antioxidante comprovada in vitro e in vivo”. Pouco tempo depois, outra pesquisadora orientada por Maria José, Vanessa Silveira Fortes, já comprovava atividade antitumoral de um extrato de soja biotransformada por fungo. O interessante nesse trabalho é que compararam um extrato de grãos nacionais com soja importada da China. E o extrato da soja brasileira mostrou atividade antitumoral maior que a chinesa.
Fonte: USP.
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