Sarcopenia, que ocorre como uma consequência primária do envelhecimento, é uma diminuição generalizada e progressiva da massa, força e função da musculatura esquelética. A sarcopenia apresenta uma fisiopatologia muito complexa e multifatorial. Uma importante causa da perda de massa e força muscular com o envelhecimento, parece ser a alteração em redes hormonais , na regeneração muscular e na síntese de proteínas.
Um recém-publicado artigo de revisão do Dr. Vitale da Universidade de Milão e colaboradores italianos e franceses, descreve as descobertas recentes sobre o papel do envelhecimento sobre o sistema endócrino no desenvolvimento de sarcopenia. Também relata os benefícios e a segurança da terapia de reposição hormonal em indivíduos idosos e discute as perspectivas futuras na terapia e prevenção do envelhecimento do músculo esquelético.
“O envelhecimento é um processo natural caracterizado por uma perda progressiva da função fisiológica plena, levando ao aumento do risco de doenças e da taxa de mortalidade. A função física diminui com a idade, aumentando o risco para várias situações adversas à saúde, tais como quedas, fraturas, invalidez, perda da independência, redução da qualidade de vida, hospitalização e eventualmente, morte. Esta condição, caracterizada pela perda de massa e função do músculo esquelético, é denominada de sarcopenia”, define Dr. Vitale.
Após a idade de 35 anos, um declínio fisiológico de massa muscular ocorre em uma taxa anual de 1-2%, com redução da força em cerca de 1,5% ao ano, que passa para cerca de 3% ao ano, após os 60 anos. A perda de tecido magro é maior nos homens do que nas mulheres. Esta modificação na composição corporal é frequentemente mascarada por peso corporal imutável, secundário a um aumento em massa de gorda, que se infiltra também no músculo esquelético. De fato, atrofia de fibras musculares do tipo II, perda de unidades motoras e infiltração de tecidos adiposo e conjuntivo no interior dos músculos, são os achados típicos da sarcopenia. Além disso, no decorrer do envelhecimento do músculo esquelético, uma deficiência na regeneração muscular pós- lesional foi observada.
A fisiopatologia da sarcopenia é complexa e multifatorial. Uma das principais causas da diminuição da força e massa muscular com o processo de envelhecimento, parece ser a alteração em várias redes hormonais envolvidas nos processos inflamatórios, regeneração muscular e síntese de proteínas (figura abaixo). Na verdade, nem o sistema endócrino é poupado do efeito negativo do envelhecimento.
Os papéis de vários hormônios foram avaliados na gênese multifatorial da sarcopenia:
Testosterona: De acordo com Feldman e colaboradores, os níveis séricos de testosterona diminuem em um ritmo de cerca de 1% ao ano a partir da idade de 30-40 anos em homens saudáveis. Nas mulheres, a testosterona circulante diminui rapidamente a partir dos 20 aos 45 anos de idade, de acordo com trabalho de Morley e Perry. Este declínio na testosterona parece estar associado, particularmente nos homens, com um declínio da massa e força muscular.
Em 2006, uma meta-análise realizada por Ottenbacher e colaboradores, abordando 11 ensaios clínicos randomizados, relatou que a terapia de reposição de testosterona induziu uma melhoria moderada na força muscular em homens com 65 anos ou mais. Já uma meta-análise mais recente mostrou que a terapia de reposição de androgênios foi capaz de aumentar a massa muscular em homens mais velhos, sendo influenciada pela duração do tratamento e pelo método de administração do medicamento.
Uma nova classe de agonistas dos receptores de androgênio, denominada moduladores seletivos do receptor de androgênio, cujos agonistas atuam seletivamente sobre os receptores de androgênio em diferentes tecidos, foi desenvolvida recentemente. Eles agem como agonistas plenos dos receptores no músculo esquelético, mas como agonistas parciais ou antagonistas na próstata e as glândulas sebáceas. Em alguns estudos preliminares, estes compostos têm mostrado aumentar a massa muscular, sem os efeitos colaterais desagradáveis visto com os agentes anabolizantes tradicionais. Mais estudos são aguardados para estabelecer a eficácia e segurança destes agentes no tratamento da sarcopenia nos idosos.
Estrogênio: A menopausa está associada com uma redução acentuada nos níveis de estrogênio. Estas alterações hormonais têm um efeito prejudicial sobre a massa muscular e parcialmente explicam o declínio acelerado da massa muscular e força, frequentemente observada em mulheres na pós-menopausa. Na verdade, os estrogênios têm efeitos benéficos sobre a força muscular e abrandam a resposta inflamatória e ruptura pós-lesional no músculo esquelético através de ativação e proliferação de células satélite. Nas mulheres, a terapia de reposição hormonal parece atrasar a perda de massa muscular relacionada com a idade e a acumulação de gordura no músculo esquelético. Uma meta-análise realizada por Greising e colaboradores em 2009, mostrou que as mulheres na pós-menopausa tratadas com reposição hormonal tiveram um significativo efeito benéfico sobre a resistência muscular (cerca de 5% maior do que no controle não tratado).
Dehydroepiandrosterona (DHEA): A dehidroepiandrosterona (DHEA) é um esteroide natural e precursor hormonal produzido pelas glândulas adrenais e transformado em androgênios ou estrogênios em vários tecidos. O músculo esquelético é capaz de converter a DHEA em androgênios e estrogênios ativos e estimular a produção de IGF-1 que tem um importante papel no crescimento e reparação muscular. Estas informações e o fato de que os níveis circulantes de DHEA diminuem a partir da terceira década de vida, têm motivado pesquisas para avaliar se a suplementação de DHEA pode reverter ou não a sarcopenia em idosos. Uma recente revisão sistemática baseada em oito ensaios clínicos randomizados selecionados a partir de 155 estudos elegíveis, informou que nenhum benefício da suplementação de DHEA oral sobre a força muscular e a função física em idosos foi consistentemente encontrado.
Cortisol: O envelhecimento também está associado com a disfunção do eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal, o que leva a um aumento da libertação de glicocorticoides a partir do córtex adrenal. Este processo parece ser outro fator endócrino relacionado com a idade envolvido na patogênese da sarcopenia. No músculo esquelético, glicocorticoides são conhecidos por inibirem a síntese de proteínas e por estimularem a proteólise, produzindo um efeito catabólico que é oposto ao da insulina. É bem conhecido que um excesso crônico de glicocorticoides, como descrito em pacientes com síndrome de Cushing, sepse e caquexia associada ao câncer, induz uma perda de massa muscular através de uma combinação de atrofia e disfunção muscular. Os autores desta revisão especulam que a superprodução sistêmica dos glicocorticoides durante o envelhecimento associada a um aumento da conversão de cortisona para cortisol ativo no músculo esquelético, pode contribuir para o desenvolvimento de sarcopenia. Isto abre um cenário para uma nova estratégia terapêutica de tratamento da sarcopenia através da inibição seletiva das enzimas 11β-hidroxiesteroide desidrogenases tipo 1.
Vitamina D: A vitamina D é principalmente conhecida como uma reguladora do metabolismo ósseo. No entanto, nos últimos anos, diversos relatos sugerem a existência de efeitos extra-esqueléticos da vitamina D, incluindo a modulação da morfologia e força muscular e desempenho físico. O mecanismo pelo qual a vitamina D exerce efeito protetor no músculo esquelético não é claro. Em músculo de ratos, a depleção de vitamina D aumenta a degradação de proteínas. Além disso, a deficiência de vitamina D aumenta os níveis de PTH, resultando em efeitos nocivos para o músculo esquelético. Na verdade, o PTH afeta a produção , transferência e utilização de energia e influência o metabolismo proteico nos músculos esqueléticos de ratos.
Curiosamente, uma correlação significativa foi encontrada entre os níveis séricos de metabolitos de vitamina D e força muscular/desempenho físico. O Longitudinal Aging Study Amsterdam demonstrou que as pessoas com idades entre 65 anos ou mais, com baixos níveis séricos de 25-hidroxivitamina D ou altos níveis de PTH apresentam um maior risco de desenvolver sarcopenia. A suplementação com vitamina D parece ter efeitos benéficos sobre a força muscular em idosos. Uma meta-análise sistemática realizada em 30 ensaios clínicos randomizados mostrou que a suplementação de vitamina D induziu por um pequeno mas significativo aumento da força muscular, particularmente no membro inferior, mas sem aumento da massa muscular.
Hormônio do Crescimento (GH) e Fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1): Os níveis de GH e de IGF-1 progressivamente reduzem com a idade em adultos, provavelmente como consequência de uma perda funcional progressiva do eixo hipotálamo-hipofisário. Foi relatado um declínio na produção diária de GH de 14% por década após a idade de 30 anos, com um declínio paralelo na secreção de IGF-1. Isto pode representar um fenômeno adaptativo para estender tempo de vida através da redução do risco de câncer. Na verdade GH e IGF-1 são ambos potentes estimuladores da proliferação celular. Por outro lado, a redução da atividade do sistema GH/IGF-1 contribui para vários fenótipos prejudiciais de envelhecimento. Com efeito, o eixo GH/IGF-I representa um importante eixo de hormônios anabólicos, particularmente em mulheres. Várias linhas de evidências suportam o papel do declínio, dependente da idade, nos níveis de GH e IGF-1 na patogênese da sarcopenia. IGF-1 é o mediador primário do crescimento e reparação muscular, estimulando a proliferação de células satélite e síntese de proteína muscular, inibindo a proteólise e combatendo a inflamação e fibrose.
Num recente estudo prospectivo realizado por Gielen e colaboradores em 2015, que incluiu um grupo de homens de meia-idade e idosos, baixos níveis séricos de IGF-1 foram correlacionados com uma maior diminuição na velocidade da marcha em homens com idade ≥ 70 anos e uma maior diminuição da massa magra apendicular em homens com idade entre 40-79 anos. Apesar dos efeitos positivos evidentes em adolescentes e adultos com deficiência de GH , o tratamento de longo prazo para prevenir e tratar a sarcopenia em idosos com baixos níveis de GH/IGF-1, relacionados a idade, ainda é incerto.
Grelina: A grelina é um peptídeo, produzido principalmente no estômago, capaz de aumentar apetite, modular a glicose e a homeostase de energia, estimular a secreção de GH/IGF-1 e inibir a inflamação. Grelina, através de todos estes mecanismos, pode aumentar a massa muscular em ratos e pacientes caquéticos. Um declínio nos valores da grelina circulante tem sido observado com o envelhecimento das pessoas. Substâncias que mimetizam a grelina (também conhecidos como secretagogos de GH) são uma classe de pequenos peptídeos sintéticos, liberadores de GH com uma meia-vida mais longa, usada na contextos clínicos. Um estudo randomizado duplo-cego controlado com placebo, usando um mimético oral da grelina, o MK-677, em idosos saudáveis por 12 meses resultou em aumento da massa livre de gordura sem melhora da força ou função muscular. Capromorelina, outra substância grelina mimética, foi administrada em indivíduos mais velhos sarcopênicos durante 1 ano. Ela aumentou não só massa magra, mas melhorou também a força de subida em escada e na caminhada de 6 minutos. No geral, estes dados sugerem um papel potencial da grelina na patogênese e terapia da sarcopenia. No entanto, maiores estudos prospectivos são necessários para confirmar esta hipótese.
Insulina/Metabolismo da glicose: Nos seres humanos, a sensibilidade à insulina diminui com o envelhecimento em vários tecidos, incluindo o músculo esquelético. Este é um outro mecanismo de desenvolvimento de sarcopenia em idosos. Na verdade, a insulina é um hormônio que estimula a síntese de proteínas. Alterações na sinalização de insulina pode reduzir a síntese muscular. Na verdade, a sarcopenia é frequentemente acompanhada por diabetes mellitus em idosos. Além disso, a diabetes mellitus potencia a redução, relacionada com a idade, de massa e força muscular através de hiperglicemia, complicações diabéticas, obesidade e aumento do estado inflamatório. O Health ABC Study mostrou que em adultos mais velhos, a diabetes tipo 2 acelera a perda de força do músculo do pé observada durante o envelhecimento. O Korean Sarcopenic Obesity Study (KSOS) demonstrou que a diabetes tipo 2 foi associada a um risco aumentado de sarcopenia. Na verdade, a prevalência da sarcopenia em pacientes com diabetes e nos indivíduos controle foi de 15,7 e 6,9%, respectivamente. Estes dados foram confirmados em outros estudos.
Ocitocina: Vários estudos em animais e humanos têm fornecido evidências para uma diminuição relacionada com a idade na atividade da ocitocina. Um estudo recente sugeriu o papel da redução de ocitocina na patogênese da sarcopenia. Os níveis de ocitocina circulante e de receptores da ocitocina em células tronco musculares de camundongos significativamente reduziram com o envelhecimento. A ocitocina parece ser essencial para a regeneração do tecido muscular esquelético e manutenção da homeostase. A falha genética na produção de ocitocina leva à sarcopenia prematura. Ainda mais interessante, a exposição à ocitocina favorece a regeneração muscular em camundongos idosos, melhorando a função de células-tronco no músculo envelhecido, enquanto a atenuação farmacológica da sinalização da ocitocina com um antagonista seletivo, altera a regeneração muscular em camundongos jovens. Portanto, drogas que atuem sobre o receptor de ocitocina pode representar uma nova estratégia terapêutica para retardar a deterioração dos músculos esqueléticos durante o envelhecimento.
A sarcopenia é uma condição complexa e multifatorial. Existem evidências substanciais sugerindo que o envelhecimento do sistema endócrino está implicado no desenvolvimento da sarcopenia. A maioria das alterações hormonais e metabólicas relacionadas com a idade tem efeitos prejudiciais sobre o músculo esquelético. Os próximos esforços de pesquisa sobre sarcopenia devem ser dedicados para o desenvolvimento farmacêutico e clínico de novos moduladores seletivos dos receptores de androgênio, de inibidores seletivos da enzima 11β-hidroxiesteroide-desidrogenase tipo 1, de grelina-miméticos e agonistas dos receptores de ocitocina no quadro de futuros ensaios clínicos controlados.
De acordo com trabalho de Nass e colaboradores, publicado em 2009 na Growth Horm IGF Res.: “O aumento da taxa de envelhecimento da população terá um impacto significativo nos sistemas saúde e na própria sociedade nos próximos anos e décadas. Otimizar o tempo de vida saudável e “o envelhecimento saudável”, aumentando-se assim, o tempo de vida no qual os idosos manterão sua autonomia e independência, é uma tarefa significativa e imperativa!
REFERÊNCIAS
Aging of the endocrine system and its potential impact on sarcopenia.
The aging population–is there a role for endocrine interventions?
Age trends in the level of serum testosterone and other hormones in middle-aged men: longitudinal results from the Massachusetts male aging study.
Androgens and Women at the Menopause and Beyond.
Androgen Treatment and Muscle Strength in Elderly Males: A Meta-Analysis.
Androgen treatment and muscle strength in elderly men: A meta-analysis.
A phase IIA randomized, placebo-controlled clinical trial to study the efficacy and safety of the selective androgen receptor modulator (SARM), MK-0773 in female participants with sarcopenia.
Hormone Therapy and Skeletal Muscle Strength: A Meta-Analysis.
Glucocorticoids and skeletal muscle.
Vitamin D: a review on its effects on muscle strength, the risk of fall, and frailty.
The effects of vitamin D on skeletal muscle strength, muscle mass, and muscle power: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials.
Endocrine determinants of incident sarcopenia in middle-aged and elderly European men.
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