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POR UM CÉREBRO MELHOR.

terça-feira, 11 de março de 2014
Treinamento cerebral para afiar a memória. Exercícios aeróbicos para preservar a massa cinzenta. Meditação para afiar as ligações entre razão e emoção. Tudo soa maravilhoso, mas há algo frustrante no número crescente de estudos que identificam maneiras de dar polimento no cérebro: elas não vão muito longe. Claro que exercícios para aprimorar a memória são melhores para o cérebro do que, digamos, assistir a reality shows na TV, mas o máximo que se ganha é um acesso mais confiável ao conhecimento já espalhado pelo córtex cerebral. Se a informação não estiver lá, não há treinamento do cérebro que lhe diga como funciona o sistema do Banco Central, por que o Sul dos Estados Unidos perdeu a Guerra de Secessão, qual a importância de Les demoiselles d’Avignon, de Picasso, ou por que o Word acabou de travar. Sem falar do tipo de informação que poderia melhorar de forma significativa a vida cotidiana: não seria maravilhoso compreender e recordar mais do que lemos e ouvimos, aprender e reter novas habilidades para melhorar as chances de emprego e interligar conhecimentos para, digamos, perceber o que faz o seu chefe reagir?

Isso é o que todos queremos – saber mais, entender mais profundamente, dar saltos criativos maiores, guardar o que lemos, ver ligações invisíveis aos olhos dos outros – e não apenas aproveitar o que já temos entre as orelhas. Ou seja, em poucas palavras: queremos ser mais inteligentes. Ao melhorar nosso jogo mental, seríamos capazes de ver imediatamente quando um marqueteiro nos engana, entender estudos médicos importantes para o que nos incomoda, perceber a importância da crise do euro para o nosso fundo de aposentadoria e tomar decisões melhores no trabalho, no amor e na vida.

Assim, quando mergulhamos nos resultados das últimas pesquisas da neurobiologia e da ciência cognitiva, uma descoberta recente se destacou mais que todas as outras: o Q.I., que durante muito tempo se pensou ser imutável depois da primeira infância, pode realmente aumentar. E não apenas um ou dois pontos. De acordo com um estudo inovador publicado no ano passado na revista Nature, o Q.I. pode subir espantosos 21 pontos em quatro anos – ou cair 18.

Como aumentar o seu Q.I.
O Q.I. mais alto não serve só para entrar na Mensa, associação internacional que reúne os 2% da população mundial com Q.I. mais elevado, e para se gabar em sites de namoro na internet. O Quociente de Inteligência – medido com um conjunto de testes que avalia, entre outros, a memória de trabalho, a aptidão espacial e o reconhecimento de padrões – traduz uma grande variedade de habilidades cognitivas: verbais, analíticas e outras. Vinte pontos são “uma imensa diferença”, diz Cathy Price, cientista cognitiva da University College London, que encabeçou a pesquisa. “O indivíduo que passa do Q.I. 110 para o Q.I. 130 deixa de ser mediano e se torna superdotado. E, se cair de 104 para 84, passará de mediano a abaixo da média! O estudo foi feito com pessoas entre 12 e 20 anos, mas, dadas as descobertas recentes sobre a capacidade que o cérebro tem de mudar – a chamada neuroplasticidade – até os 60 e 70 anos, a cientista acredita que o resultado serve para todos. “O meu palpite é que o desempenho nos testes de Q.I. também pode mudar de forma significativa na idade adulta”, diz ela. “O mesmo grau de plasticidade (encontrado em adultos jovens) pode estar presente a vida inteira.”

Nesse estudo recente, Cathy Price e colegas documentaram como as mudanças do Q.I. correspondem a mudanças estruturais do cérebro. Nos 39% dos participantes cujo Q.I. verbal mudou de forma significativa, exames por imagem do cérebro antes e depois mostraram uma mudança correspondente na densidade e no volume da massa cinzenta (número de neurônios) numa região do córtex motor esquerdo ativada ao dar nomes, ler e falar. Nos 21% cujo Q.I. não verbal (solução de problemas não ligados à linguagem, como raciocínio espacial) aumentou ou diminuiu, o mesmo aconteceu com a densidade de massa cinzenta no cerebelo anterior, associado aos movimentos da mão. Embora a maioria de nós pense que habilidades motoras e cognitivas nada têm a ver entre si, vários estudos verificaram que refinar a capacidade sensório-motora pode promover as habilidades cognitivas. Ninguém sabe exatamente por que, mas talvez os dois sistemas cerebrais sejam mais interligados do que se pensa. Portanto, aprenda a tricotar ou escute música clássica e aumente o seu Q.I.

A importância da memória de curto prazo
Embora há muito tempo se considere que a memória de curto prazo – o bloco de notas do cérebro, basicamente – seja apenas um componente do Q.I. geral, pesquisas recentes mostram que, na verdade, ela pode ser a alavanca capaz de elevar a inteligência como um todo. Numa das maiores surpresas da pesquisa sobre inteligência, o grupo de cientistas liderado por Susanne Jaeggi e Martin Buschkuehl, da Universidade de Michigan, verificou que a memória de curto prazo pode ser o alicerce da inteligência num grau mais alto do que se suspeitava. Eles treinaram voluntários adultos numa tarefa difícil para a memória de curto prazo: era preciso ouvir uma série de letras e ver ao mesmo tempo uma série de telas de computador com um quadrado azul em lugares diferentes. E era preciso identificar quando a letra falada ou a posição do quadrado combinavam com a de várias telas anteriores. Quanto mais exercitavam a memória de curto prazo, mais aumentava a forma mais pura de poder cerebral, a inteligência fluida – a capacidade de raciocinar e resolver problemas de forma independente do conhecimento existente. (A parte de raciocínio do teste usava as chamadas matrizes progressivas: ver três configurações geométricas e escolher qual das muitas opções seguiria o padrão.) Em junho, a equipe de Michigan obteve o mesmo resultado em crianças em idade escolar e confirmou que o treinamento da memória melhora o desempenho em testes de inteligência e, assim, pode ser o caminho mais seguro para um Q.I. mais alto.

“Há controvérsias quanto à possibilidade de o treinamento cerebral aprimorar a cognição”, diz o neurocientista Eric Kandel, da Universidade de Colúmbia, um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina de 2000 por descobertas sobre a base celular e molecular da memória. “Mas quando realmente se exercita a memória, decorando poesias, por exemplo – os sonetos de Shakespeare servem –, provavelmente os aspectos da função cognitiva melhoram.”

Os exames de neuroimagem dão pistas de como o treino da memória aprimora a inteligência pura. Durante o treinamento da memória, os exames mostram que várias regiões do cérebro (o córtex pré-frontal lateral, o córtex parietal inferior, o cingulado anterior e os gânglios basais) ficam mais ativas, indicando que essas regiões estão envolvidas na memória. O interessante é que essas mesmas regiões também entram em ação quando o cérebro pensa e raciocina. “Com otimismo cauteloso, parece que há efeitos reais nesses estudos de treinamento da memória”, diz o psicólogo Jason Chein, da Universidade Temple. Nos seus estudos, ele verificou que adultos que treinaram uma tarefa complexa da memória de trabalho durante quatro semanas também sentiram melhoras significativas na compreensão da leitura.

Kandel afirma que a explicação desse tipo de ganho é o “treinamento intensivo” – bem diferente de soluções fáceis como comer mirtilos ou tomar suco de romã, segundo dizem. Acontece que a inteligência vem de ter mais sinapses (ligações entre neurônios). A criação de novos neurônios (neurogênese) e sinapses torna o aprendizado possível.

Preste atenção, fique esperto
O outro elemento cerebral que podemos treinar para elevar o Q.I. é a atenção. Os neurocientistas mostraram várias vezes que a atenção é a condição sine qua non do aprendizado. Só quem presta atenção a quem é apresentado numa festa recordará o nome daquela pessoa.

O efeito sobre a melhora da atenção pode explicar por que medicamentos estimulantes ajudam algumas pessoas a recordar (e vem daí a popularidade desses medicamentos entre estudantes que se preparam para as provas). Ambos os estimulantes elevam o nível cerebral de dopamina, substância neuroquímica que produz a motivação e a sensação de recompensa e que torna mais provável que a tarefa atraia a nossa atenção. Do mesmo modo, já se demonstrou que jogos de ação, como Space Fortress, e jogos com muita estratégia, como Rise of Nations, melhoram a memória e a capacidade de prestar atenção.

Outra maneira de chegar ao mesmo fim é a paixão, segundo Cathy Price. Quem não liga para o que lê, vê ou escuta não guarda nada.

Aumente o poder cerebral: os hábitos mais importantes
Embora melhorar o cérebro exija trabalho, o bom é que há maneiras acessíveis de conseguir.

Exercício aeróbico – Caminhar 45 minutos por dia três vezes por semana estimula a produção de BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro, na sigla em inglês), que alimenta a criação de novos neurônios e sinapses, que está por trás do aprendizado. Cientistas liderados por Arthur Kramer, da Universidade de Illinois, e Kirk Erickson, da Universidade de Pittsburgh, mostraram que o exercício aumenta a massa cinzenta na região do hipocampo que processa novos conhecimentos, principalmente o vínculo entre informações diferentes que formam lembranças complexas. Isso pode não aumentar o Q.I., mas deve nos deixar mais cultos por encher o córtex de informações.

Cochilos – Num estudo de 2010, o professor de psicologia Matthew Walker e colegas da Universidade da Califórnia verificaram que um cochilo no meio do dia não só restaura como aumenta o poder cerebral. Os estudantes que tiraram um cochilo de 90 minutos às duas da tarde depois de uma tarefa que forçava o hipocampo – aprender o nome de uns 120 rostos novos, por exemplo – associaram mais facilmente o nome ao rosto depois do cochilo e tiveram um desempenho melhor do que aqueles que não cochilaram.

“Em quem ficou acordado, houve deterioração da capacidade da memória, mas o cochilo restaurou a capacidade em nível ainda mais alto do que antes da soneca”, diz Walker. (Portanto, parabéns à Nike e àquelas empresas do Vale do Silício, como o Google, que oferecem aos empregados quartos para cochilos.) Os eletroencefalogramas que registram a atividade do cérebro mostram como isso aconteceu. O número de descargas de atividade elétrica chamadas “fusos do sono” vivenciadas durante os cochilos permite prever quanto a capacidade de aprender vai melhorar quando a pessoa acordar. Walker suspeita que os fusos do sono indiquem a atividade de transporte das informações do hipocampo para armazenamento permanente no córtex. É como transferir dados de um pen drive para um disco rígido, o que “consolida no armazenamento de longo prazo as informações baixadas e nos deixa com capacidade renovada no pen drive (hipocampo) para absorver informações novas”, diz Walker. Quanto melhor transferimos informações do hipocampo (local de armazenamento inicial) para o córtex (local de armazenamento de longo prazo), mais informações conseguiremos acessar quando precisarmos.

Tempo ocioso – Com ressonâncias magnéticas funcionais, os cientistas da Universidade Tohoku, no Japão, mediram o fluxo sanguíneo cerebral de 63 voluntários a quem pediram que mantivessem a mente vazia. Os que tinham maior fluxo de sangue na massa branca que liga os neurônios entre si marcaram mais pontos numa tarefa que lhes exigia a geração rápida de ideias novas, como explicaram os pesquisadores na revista PLoS One. A criatividade surge quando se notam ligações que os outros não veem, e, assim, faz sentido que o aumento da atividade da massa branca com o descanso do cérebro promova a criatividade. Portanto, ponha de lado o celular e deixe o cérebro ocioso.

Cafeína – Uma boa dose de café pode deixar a mente mais afiada, de acordo com um estudo de 2011 publicado na revista Nature Neuroscience que constatou que a cafeína fortalece as ligações cerebrais. Serena Dudek e colegas do Instituto Nacional de Ciências de Saúde Ambiental (NIEHS, na sigla em inglês) verificaram que os ratos que receberam doses de cafeína comparáveis a duas xícaras de café mostraram atividade elétrica mais forte entre os neurônios na parte do hipocampo chamada CA2 do que os que não receberam a cafeína. A conectividade mais intensa significa aprendizado e memória melhores.

Um segundo idioma – A estratégia com mais comprovação também é a mais difícil. Quando o cérebro fluente em dois idiomas escolhe, digamos, entre inglês e francês, os circuitos corticais que guardam as duas línguas são ativados. O córtex pré‑frontal, então, tem de se intrometer para escolher a palavra certa: man ou homme? Como verificou a cientista cognitiva Ellen Bialystok, da Universidade York do Canadá, o exercício que o córtex pré-frontal faz no bilinguismo se transmite a outras funções e aprimora habilidades que aumentam o Q.I., como a solução de problemas e a mudança de atenção. Parece que isso chega a adiar a demência em cinco anos.

Determinados alimentos e temperos – Embora a alimentação saudável seja associada a menor risco de doença de Alzheimer, diabetes e AVC, que afetam a saúde cerebral, não há prova cabal de que determinadas vitaminas ou alimentos ricos em antioxidantes aumentem a inteligência. Mas os cientistas depositam esperanças em alguns ingredientes exóticos. Por exemplo, estudos indicam que cúrcuma e suco de romã podem melhorar a memória e outros aspectos da função cognitiva.

Fonte:
Seleções, Por um cérebro melhor. Acesso em 11/03/2014.

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