O fígado leva a culpa de todos os exageros que cometemos pela vida afora. A ressaca ou a dificuldade de digestão, comuns quando se come ou bebe demais, em geral, são atribuídas ao mau funcionamento do fígado e não aos excessos praticados.
Talvez isso explique a existência, no mercado, de uma quantidade enorme de produtos farmacêuticos que explora certas crendices populares a respeito do fígado. Trata-se de drogas que nunca demonstraram os efeitos hepatoprotetores que seus fabricantes apregoam. Na verdade, não há um único medicamento capaz de “proteger” o fígado. Quando ele dá sinais de sofrimento, na maior parte das vezes, já foi seriamente agredido pela repetição de alguns maus hábitos de vida.
FUNÇÕES HEPÁTICAS
Drauzio – Para que serve o fígado além de levar a culpa quando se come ou bebe demais?
Luís Caetano da Silva – O fígado, que se localiza do lado direito do abdômen, é a maior glândula do organismo. Pesa em torno de um mil e trezentos a um mil e quinhentos gramas no homem e um pouco menos (aproximadamente duzentos gramas menos) nas mulheres.
Ele é constituído por milhões de células, como se fossem milhões de tijolinhos agrupados. Cada célula representa uma microindústria e desempenha uma função específica, essencial para o equilíbrio do organismo.
Drauzio – Quais as principais funções do fígado?
Luís Caetano da Silva – O fígado é um órgão de funções múltiplas e fundamentais para o funcionamento do organismo. Entre elas, destacam-se:
a) Secretar a bile
A bile é produzida pelo fígado em grande quantidade, de 600ml a 900ml por dia. Num primeiro momento, ela se concentra na vesícula e depois é enviada para o intestino, onde funciona como detergente e auxilia na dissolução e aproveitamento das gorduras. Por isso, quando os canais da bile entopem, o metabolismo das gorduras fica prejudicado;
b) Armazenar glicose
A glicose extraída do bolo alimentar é armazenada no fígado sob a forma de glicogênio, que será posto à disposição do organismo conforme seja necessário. Nesse caso, as células hepáticas funcionam como um reservatório de combustível. Quando o cérebro, o músculo do coração, os músculos esqueléticos ou qualquer outra parte do corpo precisam de energia, a glicose é enviada para a circulação. Se não houvesse esse sistema de estocagem, teríamos de comer o tempo todo para garantir o suprimento de energia. Doenças hepáticas em fase avançada provocam a perda dessa capacidade e prejudicam o fornecimento de glicose;
c) Produzir proteínas nobres
Entre elas, destaca-se a albumina, uma substância muito importante para o organismo, porque mantém a água dentro da circulação. É a propriedade osmótica ou oncótica. Quando a produção de albumina diminui, a água escapa das veias, extravasa para os tecidos que estão debaixo da pele e produz inchaço, ou seja, edemas nas pernas, barriga d’água (ascite), etc. Além dessa, a albumina tem outra função curiosa. Serve de meio de transporte, na corrente sanguínea, para outras substâncias, como hormônios, pigmentos e drogas.
A falta de albumina não é a única explicação para o inchaço característico dos alcoólicos. Na cirrose, por exemplo, doença comum nos usuários de álcool, os rins retêm água e sódio o que também ajuda a produzir inchaço.
É importante, ainda, mencionar as proteínas ligadas ao processo de coagulação do sangue. Se o fígado não está trabalhando bem, o nível dessas substâncias baixa e aumenta a probabilidade de sangramentos abundantes, que podem ser provocados por ferimentos ou ocorrer espontaneamente pelo nariz (epistaxe), pelas gengivas, pela urina ou em menstruações exageradas;
d) Desintoxicar o organismo
O fígado tem a capacidade de transformar hormônios ou drogas em substâncias não ativas para que o organismo possa excretá-los;
e) Sintetizar o colesterol
No fígado, o colesterol é metabolizado e excretado pela bile;
f) Filtrar micro-organismos
Há uma extensa rede de defesa imunológica no fígado. Além das células hepáticas, existem inúmeros “tijolinhos” responsáveis por segurar bactérias ou outros micro-organismos que transmitem infecções. Algumas doenças hepáticas, a cirrose, por exemplo, interferem nesse processo e tornam os indivíduos mais vulneráveis a infecções;
g) Transformar amônia em ureia –
O fígado é um órgão privilegiado. Tem uma artéria e uma veia de entrada e uma veia de saída. A veia de entrada recebe o nome curioso de “veia porta” e é responsável por 75% do sangue que chega ao fígado, levando consigo substâncias importantes, como as vitaminas e as proteínas. No entanto, por ela chega também a amônia produzida no intestino e derivada especialmente de proteínas animais para ser transformada em ureia. Se o órgão estiver lesado, a amônia passará direto para a circulação e alcançará o cérebro, provocando, no início, alterações neuropsíquicas (mudanças de comportamento, esquecimento, insônia, sonolência) e, depois, pré-coma ou coma.
Drauzio – Por que o fígado sangra muito?
Luís Caetano da Silva – O fígado é um órgão embebido em sangue. Por ele passam um litro e duzentos ou um litro e meio de sangue por minuto. Esse sangue sai pelas veias supra-hepáticas e vai para o coração. Se o coração, que é nossa bomba, estiver com problemas, o sangue será retido no fígado que aumentará de tamanho. Os sintomas que surgem, então, aparentemente ligados à insuficiência hepática, referem-se aos problemas cardíacos instalados.
Fonte: Drauzio Varella, Parte do texto O fígado. Respostas de Luís Caetano da Silva é médico, professor de Hepatologia na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e autor do livro “O fígado sofre calado” (Atheneu Editora) destinado ao esclarecimento e orientação do público leigo. Acesso em 20/09/2012.
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