Pesquisadores da Unifesp e da Unicamp avaliam relação entre excesso de peso e comportamento mastigatório (Foto: Wikimedia Commons)
Dois artigos publicados por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) indicam que adolescentes com sobrepeso ou obesidade têm comportamento mastigatório diferente daqueles com peso normal, apresentando frequência maior de alterações nos músculos da face e de hábitos prejudiciais à nutrição. A mastigação também difere entre meninos e meninas.
Os resultados são da pesquisa “Avaliação da composição salivar e da qualidade da função mastigatória de adolescentes com sobrepeso e obesidade”, realizada com o apoio da FAPESP, coordenada por Paula Midori Castelo, do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Unifesp, em Diadema (SP), e desenvolvida junto com pesquisadoras da Unicamp, campus de Piracicaba.
No estudo, foram avaliados os hábitos alimentares e a qualidade da função mastigatória de 230 adolescentes com idade entre 14 e 17 anos residentes no município de Piracicaba (SP).
As avaliações foram feitas em duas etapas: primeiro, com 115 meninos e meninas com peso normal; em seguida, apenas com adolescentes com sobrepeso ou obesidade, também de ambos os gêneros. Todos os adolescentes escolhidos não tinham cárie ou outra condição que afetasse a saúde bucal a ponto de interferir na função mastigatória.
“Há um consenso entre dentistas e fonoaudiólogos de que é importante se alimentar e mastigar devagar, em ambos os lados do arco dentário, para que o alimento possa ser triturado e processado adequadamente antes da deglutição, evitando-se ainda hábitos que dificultem sua absorção, como a ingestão de líquidos enquanto come”, disse Castelo, autoria principal dos dois artigos.
“Em nossos testes, observamos que indivíduos com sobrepeso ou obesidade, uma condição crônica multifatorial, apresentaram alterações miofuncionais [relativas às funções dos músculos] e maior dificuldade em realizar a mastigação, e isso pode afetar a qualidade da alimentação”, disse.
De acordo com a pesquisa, meninas com sobrepeso ou obesidade mastigam com maior frequência de um lado só, impedindo que a mandíbula, que possui articulações bilaterais, atue igualmente de ambos os lados. Isso pode levar, entre outros problemas, a alterações estruturais de um dos lados do arco dentário, além de prejuízos à formação do bolo alimentar e perdas nutricionais.
“Os testes não determinaram se a alteração está relacionada às causas do sobrepeso e da obesidade ou aos seus efeitos, mas ajudam na compreensão sobre quais comportamentos e hábitos precisam ser observados e corrigidos na alimentação desses adolescentes. As alterações miofuncionais podem acarretar desequilíbrios esqueléticos e musculares, entre outros problemas”, disse Castelo.
Para identificar as alterações na função mastigatória foram feitas gravações em vídeo dos adolescentes durante a mastigação. As gravações foram analisadas por uma fonoaudióloga, que avaliou o comportamento mastigatório e contabilizou os ciclos de mastigação de cada lado da boca.
Também foi analisada a performance mastigatória por meio da mastigação de uma goma de mascar fabricada no Japão. De coloração verde, a goma muda de cor para o vermelho à medida que é mastigada e a graduação dessa mudança fornece informações sobre a eficiência da mastigação. A força da mordida também foi medida por meio de um dinamômetro. Nesses testes, foi observado que os meninos mastigam mais rápido e melhor que as meninas.
“É comum ouvir que o indivíduo que come rápido demais não mastiga direito, engolindo o alimento ainda pouco triturado, mas o homem tem mais massa muscular e mais força física, conseguindo com menos tempo imprimir maior força na mastigação e processar melhor a comida. Também há aspectos culturais envolvidos, como o hábito de meninas mastigarem com mais delicadeza”, disse Castelo.
Mas isso não significa que comer rápido é invariavelmente melhor. “Quando mastigamos por mais tempo, tendemos a comer menos, porque a informação do processamento do alimento vai sendo transmitida ao sistema nervoso central e os hormônios que levam ao sentimento de saciedade vão sendo liberados. Dessa forma, quem mastiga rápido, ainda que com a força adequada, pode tender a comer mais. É preciso observar a própria mastigação”, disse.
Líquidos com alimentos
Os testes também contemplaram entrevistas nas quais os adolescentes reportaram informações sobre seus hábitos alimentares – contando, por exemplo, se costumam cortar o alimento em pedaços pequenos, desfiam a carne, conseguem morder uma maçã com facilidade ou comem frutas com a casca, entre outros.
Adolescentes com sobrepeso ou obesidade apresentaram com maior frequência hábitos que podem prejudicar a mastigação e a digestão, como adicionar muito molho à comida ou ingerir líquidos junto com o alimento.
“Se ingerimos um alimento enquanto bebemos ou adicionamos muito molho à refeição, acabamos mastigando menos e deglutindo a comida antes que ela esteja bem mastigada. Isso dificulta a digestão, podendo levar a consequências que vão desde desconforto estomacal a uma absorção ineficiente dos nutrientes”, disse Castelo.
Os pesquisadores buscam agora avaliar a microbiota da saliva dos adolescentes e marcadores salivares relacionados a aspectos nutricionais.
“Coletamos amostras da saliva dos adolescentes que participaram da pesquisa para investigar, entre outras questões, se essa microbiota se relaciona com seu estado nutricional, já que estudos mostraram que ela pode se relacionar com a microbiota do trato intestinal”, disse Castelo.
Os resultados do estudo com adolescentes com sobrepeso e obesidade estão no artigo Chewing in adolescents with overweight and obesity: An exploratory study with behavioral approach, publicado pela revista Appetite e disponível em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0195666316304469. O trabalho foi premiado na 33ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica, realizada em setembro, em Campinas (SP). Além de Castelo, assinam o artigo as pesquisadoras Aline Pedroni-Pereira, Darlle Santos Araújo, Kelly Guedes de Oliveira Scudine, Daniela Galvão de Almeida Prado, e Débora Nunes Alves Leite Lima.
Já o estudo com adolescentes com peso normal, assinado por Castelo e também pelas pesquisadoras Pedroni-Pareira, Araujo, Scudine, Almeida Prado e Ana Claudia Rossi, é relatado no artigo Assessment of the differences in masticatory behavior between male and female adolescents, publicado pela revista Physiology & Behavior e disponível em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0031938416302013.
Fonte: Fapesp.
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